8.12.11

You gave me nothing, now it's all I got...

A atmosfera de chuva se tornou comum demais nas madrugadas de solidão... Perdi a conta de quantas vezes aquilo se repetia, a mesma chuva, a mesma visão completamente cinza, sempre o mesmo cenário. O mesmo cenário para a solidão, para sofrimento, reencontros e perdas...
Tinha certeza de que era uma rua em declive. Sempre descendo, sempre cinza, insuportavelmente cinza. E molhada. Tudo à minha volta era um vulto cinza através da chuva espessa.
Quantas madrugadas fui amiga daquela chuva? Só havia cinza e silêncio. E por dentro tudo era escuro, absurdamente ensurdecedor. Continuo a descer a rua sem olhar para trás. Era sempre isso. Somente isso.
Até que decidi virar as costas e subir.

Um outro vulto descia em minha direção. Tive medo de tudo aquilo, de ter olhado pra trás e decidido subir. Estava cada vez mais próximo, mais sólido. E estava seco. E azul. Era difícil entender porque a única cor que conseguia enxergar além do cinza era azul. E me entregou um bilhete, coloquei-o no bolso ainda sem entender todo aquele azul.
Aparentemente o mundo acabava. E eu não entendia porque acabaria em cinza e azul. Deveria acabar melhor, no futuro e não no passado. Não faz sentido voltar e perceber que ali o mundo acabaria.
"Se sairmos dessa, tenho muita coisa a falar."
Muda, segui meu único ponto de cor no meio da chuva cinza. Minhas coxas se cansaram de escalar até o passado. Meus joelhos queriam o chão. Meu juízo queria o presente. Mas aquela maldita força azul me puxava acima como se me erguesse magneticamente.
"O tempo ilude, Sara."
Por que eu deveria saber aquilo? Porque todo aquele azul de volta me assombrando? Por que não me deixar em paz? Por que não sair logo da minha vida, das minhas memórias?
"Você é melhor que isso. Você não vai esquecer. Sua essência é se lembrar, sua essência é o 'apesar de'..."
Por que me respondia sem que eu precisasse falar? Por que enxergava minha alma através de tanto azul? Chega de subir! Chega de voltar atrás! Chega de escalar o passado!
"Minhas pernas doem. Me deixa voltar"
E o azul toca meu ombro com aquela mesma expressão apaixonadamente decidida. Torna-se quase marinho, e afogo-me.
"Eu só queria que soubesse..."
Um passo atrás era tudo que conseguia. Me afastei, me fiz correr. Não ousava olhar por cima do ombro ladeira acima. Eu não queria saber.
Corri de tudo como se aquela atmosfera fosse sumir, como se eu pudesse restituir a cor de volta ao mundo, como se pudesse impedir que tudo aquilo se acabasse...
Quis evitar meu subconsciente, evitar que ele me acorrentasse a tudo que decidi não tentar entender... Evitar que me acorrentasse a tudo isso e me jogasse na correnteza do meu passado...

O cinza persistia. A chuva era quase uma cachoeira. A rua era plana. De repente, um abrigo... Era como um pedaço de mim em metais e borrachas. Cheirava a lar. E eu estava seca. Não mais havia o receio de molhar o estofado. O banco ao lado era vazio como sempre. Partimos em direção ao nada.
Lembro-me do bilhete. Paro.
Desfaço a última dobra do papel seco. Tinta azul escorria por minhas mãos. Chovia dentro do meu abrigo. O papel se desfazia em líquido.

Castigo por meus deslizes de curiosidade, jamais saberei o que havia ali. Tentava acreditar que seria melhor assim...
Tudo o que queria era que parasse de chover dentro do meu abrigo. Mas vi algo além dos vidros embaçados.
E abri a porta para o colorido crepúsculo morno de primavera.

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